sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Não faça tempestade em copo dágua


"Minutos de Sabedoria", versão pseudo-científica
Você já viu de relance ou mesmo leu "Minutos de Sabedoria", de C. Torres Pastorino? (Tem pra vender por 1$99, acho, em qualquer banca de jornal, há decadas).
Pois é. "Não faça tempestade..." é igualzinho. Não passa de uma coletânea de frases amenas que tem por objetivo relaxar o leitor. Estilo: "Quando você começar a se sentir mal, faça um esforço feliz para se sentir bem!" Fora isso, está escrito no mesmo formato: enunciados soltos, que podem ser lidos em qualquer ordem, basta escolher uma página aleatoriamente.
O problema é que ao contrário de seu ancestral, "Não faça tempestade..." tem a pretensão de ser científico. O título de PhD do autor é exposto de forma insistente, bem como na introdução diz-se que a obra é o resultado da integração "da Filosofia Oriental com a Psicologia Ocidental".
Em suma, pura obviedade que funciona como doses homeopáticas de anestesia pro stress. A mensagem do livro é essa "Tudo na vida são copos dágua" (aliás, é o sub-título do livro) "portanto, relaxa, cara!"
Se essas doses funcionam pra relaxar? Não sei não.. Afinal, o autor "teve" que lançar novas versões do livro. Sente só os títulos:

"Não faça tempestade em copo dágua NA FAMÍLIA"
"Não faça tempestade em copo dágua NO TRABALHO"
"Não faça tempestade em copo dágua PARA ADOLESCENTES"
etc
Um dia espero que ele lance algo como "Não faça tempestade em copo dágua COM AUTO-AJUDA"

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Psicólogos devem ler auto-ajuda?

PRÉVIA: recomendo que você só leia este post se já leu e está bem lembrado do primeiríssimo post deste blog, onde explico o que é auto-ajuda.


Ok, ok. Lá estou eu, Alessandro, psicólogo, na livraria. Minha profissão tem na palavra um instrumento central, talvez o maior de todos, por isso vou muito em livrarias, sempre tenho uma listinha de obras da minha área que preciso e quero ler.

Adivinhem, contudo, qual a primeira prateleira na qual eu sempre vou?

Auto-ajuda!

Claro que eu nunca compro os livros. Hehehehe. Apenas sondo os títulos, os temas, folheio, leio as orelhas, etc.

Apesar de abominar tudo aquilo que ela representa, acho fundamental que os psicólogos estejam por dentro do que rola nesse mercado.

Os motivos são vários:

1) o conjunto desses livros fornece uma radiografia dos problemas atuais. Por exemplo, se muitos casos de anorexia aparecem, do dia pra noite surgem diversos livros de auto-ajuda sobre o tema.

2) os clientes do psicólogo muitas vezes vão chegar até ele com conceitos e idéias que extraíram desses livros, e o psicólogo precisa entender essas bobagens para se comunicar com o cliente

OBS: Isso é especialmente verdade para o psicólogo organizacional !!

3) esses livros representam a mediocridade em termos de tratamento de problemas. Estando por fora deles, você está por fora até mesmo da mediocridade! (É como dizer "Não vejo TV" e em seguida criticar prolixamente a TV, após ter confessado que não sabe quase nada sobre ela).

Mas, voltando a pergunta título deste post: o psicólogo deve ler auto-ajuda?

Minha resposta, enfática: NÃO!

Ele só precisa ler meu Blog. ;-)


Hehehe, falando sério... Quero dizer que precisamos estar antenados com o que rola nesse mercado, mas não devemos estudar esses livros, visto que na verdade não são livros, são produtos. Já temos muitos livros clássicos e atuais de Psicologia de verdade para estudar, e não cabe ficar enfiando tosquice na lista.

A atitude do psicólogo diante da auto-ajuda deve parecer a de um antropólogo diante de uma tribo perigosa: dialogue, sonde, pesquise, mas numa distância saudável e sem se tornar um deles.

Minha recomendação: discuta a auto-ajuda, seus sinais, sua atualidade, suas tendências, seus significados. Mas não mergulhe nela, porque você certamente voltará cheirando mal se o fizer.

"O Homem Mais Rico da Babilônia"




Pasme, caro leitor: eu vou falar BEM deste livro!!!!
Você encontra até por 19$90 por aí, mas só compre se depois de ler este
post você ficar especialmente interessado.



"O Homem Mais Rico da Babilônia" é uma rara exceção no mercado da auto-ajuda, visto que ele é inovador, gostoso de ler e realmente tem algo a dizer.

Ok, ok, explico.

Essas qualidades do livro só são possíveis porque ele foi escrito na década de 1920. Ou seja, ele representa uma auto-ajuda ainda "pura" comparada com a indústria altamente munida de hoje.

Para a época foi uma inovação falar de educação financeira em um livro ficcional, e não em chatíssimos manuais ou colunas de jornais. Mais inovação ainda foi fazer isso no formato de uma fábula moral. A narrativa é cativante e divertida, e gira em torno do Reino da Babilônia, onde o Rei ordena que Arkad, o homem mais rico do Reino, ensine a seus ministros e uma grande comitiva de comerciantes a arte de enriquecer, para que assim a Babilônia se torne o mais próspero dos impérios.

"O Homem mais rico.." tem algo a dizer no sentido de dar boas dicas sobre finanças pessoais, como sempre reservar 10% da renda assim que botar as mãos no dinheiro. Isto é, poupar primeiro, gastar depois e no fnal do mês decidir onde investir o que foi poupado.

Aliás, o livro é uma série de dicas como essa, num formato de fábula moral. Nada mais.

Não tem nenhuma pretensão real de "ajudar as pessoas", revelar segredos do universo, ou curar problemas, etc.

Não passa de uma "
história infantil para adultos", sobre um tema bem sério: grana.

Atenção: só compre se o tema "Educação Financeira" for de fato muito importante pra você. Caso contrário, vale mais a pena ler um resumo dos conceitos em algum site e não gastar os 19$90.

sábado, 18 de agosto de 2007

"A Arte de Viver"



Um ancestral da auto-ajuda.

Mas ainda assim, fraco como toda auto-ajuda moderna.






Esse livro, da editora Sextante, é uma versão um tanto reescrita do clássico de Epitecto, filósofo da Roma Antiga.

Tem um valor histórico grande, uma vez que Epitecto foi um precursor da auto-ajuda. Mas não é por esse significado acadêmico que o livro deixa de ser uma porcaria.

Como eu já disse, Epitecto foi um dos primeiros a fazer o que hoje chamamos de auto-ajuda. Na Roma de César esse filósofo era pago por grandes generais para dar palestras motivacionais para as tropas, bem como escrever manuais de filosofia que eram levados no bolso para leitura individual nas campanhas militares. Tais livrinhos não passavam de uma coletâneas de dizeres, aforismas e máximas que tinham por objetivo levantar o moral dos combatentes e deixá-los dóceis às ordens de seus superiores.

"A Arte de Viver" é em parte um resultado desses manuais para soldados.

Epitecto, que foi escravo, tinha uma visão de felicidade que consistia basicamente em obedecer regras imutáveis. Sua obra, certamente por conta desse detalhe importante de sua biografia, pode ser resumida da seguinte forma: "Entenda as leis do universo, se conforme com elas, aprenda a obedecê-las de forma prudente. Assim você cumprirá seus deveres, não pensará em coisas tolas e será feliz".

Assim, podemos dizer que "A Arte de Viver" é um manual para formação do escravo feliz. A palavra-chave para entender esse livro é conformismo.

É curioso notar como a auto-ajuda "evoluiu" desse ancestral para uma abordagem não-conformista, na Modernidade. Epitecto vende hoje por causa de seu valor histórico, e da brandura de suas máximas, que têm o efeito de uma analségico nas ansiedades em pessoas que já tenham uma atitude conformista para com a vida.

Mas o público (pós?) Moderno em sua maioria prefere auto-ajuda que diga "Não se conforme! Seja o que você quiser ser. Você pode tudo!"