Augusto Cury é médico psiquiatra com pós-graduação em Psicologia Social (área da psicologia que estuda como processos grupais interferem em processos psicológicos e vice-versa). Montou um Instituto chamado “Academia da Inteligência” onde oferece cursos (bem pagos, diga-se de passagem!) para terapeutas e afins. O cara é mesmo um empresário de mão cheia: também escreveu inúmeros livros de auto-ajuda e continua produzindo.
Em quase todos esses livros há uma pequena referência sobre o autor na orelha traseira do livro que fala sobre duas coisas importantes em sua obra:
1) o fato de seu pensamento ser inspirado em Freud, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Wallon, Winnicott, etc, etc, etc (muitos, muitos autores mesmo). Querendo dizer que ele é estudado.. sei, sei..
2) e sua “obra-prima” ser o bestseller “Inteligência Multifocal”, onde ofereceria uma teoria revolucionária para a “mente” humana, muito boa para o mundo materialista e fútil que vivemos (segundo propaganda própria).
Pois bem... Não vou falar de TODOS os livros de Augusto Cury por uma razão óbvia: porque se fosse não teria mais tempo hábil para escrever mais sobre nenhum outro autor de auto-ajuda!
O cara deve ter escrito milhares: “Nunca desista de seus sonhos”, “Pais brilhantes, professores fascinantes”, “Você é insubstituível”, “Dez leis para ser feliz”, “Maria, a maior educadora da história”, “O futuro da humanidade”, etc.
OBS1: Os livros custam todos entre 25$ e 15$, alguns saem por 9$90.
OBS2: Notaram como alguns títulos revelam que foram “inspirados” em modismos da época de seus lançamentos? Por exemplo, “Pais brilhantes, professores fascinantes” foi na onda de “Pai Rico Pai Pobre”, de Robert Kyiosaki (Até a capa dos livros é parecida!).
Ao invés de falar de todos os livros de Augusto Cury farei o seguinte como estratégia alternativa: comentarei os dois pontos supra-citados nas orelhas de seus livros (seu referencial teórico e sua obra-prima).
O referencial de Augusto Cury: de Freud a Bob Esponja
Para começo de conversa, caro leitor, quando alguém diz que baseia sua obra em mil teóricos tão diversos, de tamanha distância teórico-metodológica, isso não é sinal de um saudável ecletismo mas sim de uma indefinição fundamental. (Miscelânias podem ser atraentes em lojas de R$ 1,99 e outros cacarecos, mas só geram confusão em livros técnico-científicos!).
Não dá pra sair misturando partes iguais de Piaget e Vygotsky (que divergem em muitos pontos fundamentais) com pitadinhas de Paulo Freire, um caldo de Freud e um tempero Psicossocial e Neurocognitivo (ufa! quanta coisa!) e esperar que saia disso um banquete. Antes é mais fácil sair um prato indigesto porque confuso. Essa falta de compromisso com alguma matriz de pensamento também pode ser vista como tática para pular de galho em galho, ao sabor de modismos.
A “obra-prima” de Augusto Cury
Querem ver do que estou falando? Peguemos a “obra-prima” de Augusto Cury: “Inteligência Multifocal”, de 1999. Em diversos aspectos é um livro que lembra muito (mas muito MESMO) outro bestseller de auto-ajuda: “Inteligência Emocional”, de Daniel Goleman (vejam só, que foi lançado em 1995, portanto QUATRO ANOS ANTES!).
A semelhança está no fato de que Cury defende que a inteligência humana vai além de questões lógico-matemáticas e está muito mais em competências como “ser solidário”, “amar a vida”, “pensar antes de agir”, “colaborar”, “saber lidar com perdas”, etc. Em suma, todos aspectos dos quais Goleman fala em “Inteligência Emocional”.
Contudo a diferença (mínima) está no fato de que Cury procura enfatizar a dimensão psicossocial (pessoas em grupos, tema de sua pós-graduação, lembram?) enquanto Goleman enfatiza o indivíduo (como bom norte-americano que é).
Penso ser esse o segredo de Augusto Cury para ser bestseller: um discurso mutável porque eclético em fontes e capaz de abocanhar temas da moda e escrever rapidamente um livro que custe 15$ a respeito. Com uma linguagem simples, livros baratos e sempre sobre um assunto “do momento” ele promete revelar aos leitores segredos da “Inteligência Multifocal” que lhes farão ser mais felizes.
É um sucesso... DE VENDAS!
Em suma, Augusto Cury é mesmo um empreendedor notável da auto-ajuda brasileira, uma fábrica de bestsellers que merece ser estudada (enquanto empresário, mas não enquanto autor).
PS: vale a pena ler esta matéria da Veja sobre Augusto Cury, que chegou a mim por cortesia do Adriano Facioli, querido leitor do meu Blog
http://veja.abril.com.br/110106/p_106.html